Especialista fala sobre a CPI da Energisa: ‘‘Nunca ouvi tanto a palavra consumidor quanto agora’’

Especialista fala sobre a CPI da Energisa: ‘‘Nunca ouvi tanto a palavra consumidor quanto agora’’

Gabriel Tomasete é advogado e um dos maiores expoentes civis quando o tema é defesa do consumidor. Ele denuncia há anos o Procon regional, que, de acordo com ele, nunca havia aplicado sequer uma única multa

Por Rondoniadinamica

Porto Velho, RO – O Rondônia Dinâmica buscou opinião avalizada e de fora da política eletiva a fim de entender os desdobramentos relacionados à CPI da Energisa. Conhecedor profundo do tema defesa do consumidor, o advogado Gabriel Tomasete acompanha o desenrolar dos trabalhos apresentados no Legislativo e consegue até mesmo enxergar um lado positivo a respeito dos descalabros deflagrados pela concessionária desde que assumiu os serviços no final de 2018. 

“[...] o principal ponto é o fato de que nunca ouvi ou li tanta gente usar a palavra “consumidor”. Nunca ouvi ou li! Então hoje todo mundo está vendo o quão desprotegido o consumidor está”, asseverou em um dos trechos mais emblemáticos da entrevista.

CPI da Energisa 

Rondônia Dinâmica – O que o senhor pensa a respeito da CPI da Energisa? 

Gabriel Tomasete – A CPI nasceu depois do clamor de várias lutas que já estavam sendo travadas no Judiciário desde dezembro do ano passado. Lutas nossas, por exemplo, junto ao TRF [Tribunal Regional Federal], que derrubou a liminar obtida em ação que fizemos juntamente com várias instituições. Também estivemos na Agência Nacional de Energia Elétrica [Aneel] e com o ministro de Minas e Energia. Portanto, a CPI apareceu em tempo de buscar fazer alguma coisa pelo consumidor rondoniense. 

RD – E qual o principal avanço até agora? 

GT – O principal avanço é no sentido de tornar, de escancarar o que nós já sabíamos e denunciamos há muito tempo: a posição vulnerável em que se encontra o consumidor diante dos serviços prestados por inúmeros empreendimentos sem compromisso com a lei. 

RD – Um exemplo de vulnerabilidade, o senhor tem? 

GT – Por exemplo, o Procon nunca aplicou uma multa sequer aqui em Rondônia. E eu venho falando sobre isso há muito tempo. Tenho artigo publicado em 2011 falando a respeito. E também falei sobre isso no começo do ano na Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa (ALE/RO), por duas vezes. E expliquei toda a carência da defesa do consumidor aqui no estado. 

RD – Mas há outros aspectos, como a questão dos convênios... 

GT – Pois é. A principal situação é que a CPI trouxe à tona o que já sabíamos. Nós atuamos na área, mas a população não tinha ideia. Foi muito importante a denúncia que fizemos. Estivemos lá pessoalmente no IPEM [Instituto de Pesos e Medidas do Estado de Rondônia], onde registrei em vídeo que não havia preparo e não era correta a forma com a qual os medidores estavam sendo analisados. E e análise, entre aspas, era feita por pessoa sem qualificação técnica. Então o IPEM foi chamado à CPI, por isso foi importante, já que ali foram escancaradas várias outras situações. 

RD – Sim, mas na questão do IPEM há traços de ilegalidade? 

GT – Bom, ali parece que o foco é, ou pelo menos passa a impressão, auferir vantagem. Soa como quanto mais medidores vistoriados, melhor para eles. Porque há a cobrança do ICMS, e até publiquei documento da Energisa ao IPEM nesse sentido usando o S da nomenclatura do imposto como cifrão. Então, com a Energisa pagando dinheiro ao instituto, no mínimo, pelo menos a meu ver, tira a imparcialidade dele. E há a questão do convênio com a Polícia Civil (PC/RO), por exemplo, denotando situação importante para que a população entenda melhor o panorama, o modo de agir da empresa. 

RD – Por que é importante compreender o modo de operação? 

GT – Porque ele coincide com os outros estados, o que é muito grave. Então, veja bem, estamos contribuindo com situações idênticas como no Acre e no Mato Grosso, oferecendo subsídios para a instalação e diligências de outras CPIs Brasil afora. 

RD – E para a população de Rondônia, há alguma vantagem nessa situação problemática? 

GT – O principal ponto é o fato de que nunca ouvi ou li tanta gente usar a palavra “consumidor”. Nunca ouvi ou li! Então hoje todo mundo está vendo o quão desprotegido o consumidor está. E não só pelo Procon, que nunca aplicou uma multa sequer, e é o único do país com essa característica omissiva, mas também pelos demais órgãos. 

RD – Os órgãos não atuam como deveriam? 

GT – Não. E nós temos uma carência muito grande, uma morosidade inaceitável nesse sentido. E a CPI da Energisa tem exposto isso. Por isso a Energisa tem sido uma experiência negativa muito grande, porém que pode servir como gancho para que a área de defesa do consumidor melhore em Rondônia. 

RD – E quais os reflexos institucionais?

GT – As autoridades foram provocadas a refletir sobre suas responsabilidades, tanto em relação às ações quanto no quesito omissão. Em relação aos convênios, pinçando aqui de novo a situação, não bastam conservar o aspecto da legalidade, pois eles têm de servir à população, ao interesse público primário. E eles têm de se curvar aos princípios da Administração Pública, ou seja, além da legalidade, também o da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 

RD – Estamos criando consciência sobre o direito do consumidor? 

GT – É um pontapé inicial. Ou seja, a situação tem um lado positivo: ela está sendo útil à consciência coletiva, sim. Mas é importante a constância. Sobre as instituições e autoridades responsáveis, é importante relembrar que prevaricação, inclusive, é crime. E existem órgãos estruturados que devem atuar, são os fiscais da lei, e não fazem nada ou quando fazem, a passos muito lentos diante da urgência. Portanto, está germinando uma insurgência coletiva e saudável, que, por pressão popular, pode se tornar a engrenagem que faltava para estimular o cumprimento da lei e a fiscalização regular das atividades empresariais, especialmente as desempenhadas pela Energisa.


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